Então, Carmen Miranda fez cem anos e os jornais se omitiram. Que belo jornalismo é exercido no Brasil pelos profissionais da classe, todos anestesiados pela globalização.
De Carmen, só o que se vê são fotos nas seções de estilo porque, no final das contas, ela continua lembrada por tropicalizar o vestuário, o chapéu, o sapato plataforma. Mas da Carmen cantora, aquela que colocou na proa da MPB da época Dorival Caymmi, Noel Rosa, Assis Valente, Ary Barroso, aquela que todo compositor sonhava em ser por ela gravado, dessa, a galera faz que nem ouve.
Qualquer pessoa que conhece um pouco de música brasileira sabe cantarolar Tahí, O Que é Que a Baiana Tem, Cantoras do Rádio, tanta musica gostosa, que faz bem às cordas vocais. Pois é, duvido muito que tenha alguma estação de rádio que tenha dedicado uma mera horinha a tocar Carmen no dia do centenário de seu nascimento. Fica aqui registrado mais um símbolo da indiferença com que os atuais animadores culturais informam o público de efemérides (o que quer dizer?) memoráveis.
Seguramente alguma notícia sairá de que houve ontem uma reunião no Museu Carmen Miranda. Ontem. É curiosa a relação que o brasileiro tem com o passado, uma quase-negação (este hífen esta correto?) à enorme contibuição que seus predecessores deram a sua própria identidade. Não existisse Carmen que, gracas ao bom Deus, foi importada de Portugal para se tornar a maior intérprete da música brasileira no Brasil e no exterior, e muito de nosso inconsicente continuaria embrionário.
Carmen, junto aos compositores de sua preferência, trouxe à musica popular de seu tempo tudo que as Rita Lee/ Bethania/Gal/Maria Rita/Marisa Monte/ Ivete Sangalo/Caetano/Gil trazem hoje em provocação e alegria de viver. Carmen fez a cabeça deles todos, sem mass media marketing, com as bolachas em 78 rotações, que rolavam como pão quente, mais de trezentas gravações em apenas uma década.
Carmen não é recordação, Carmen é presença eterna no nosso bordel latino-americano. Ela diz-que-tem um irredimível amor pelos seus balangandans, os vatapas e carurus da nossa cozinha, os mulatos de qualidade que a gente vê por aí. Retrato do Brasil vaidoso, guloso e mestiço.
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